Vemos os objectos com os olhos mas é o cérebro que «processa» esses estímulos e os transforma em percepções. Temos poucos instrumentos para medir o que os cérebros de diferentes pessoas processam.
Quando uma pessoa teima que uma camisa é turquesa e outra teima que é verde os seu cérebros estão a distinguir cores diferentes, embora os olhos estejam a ver o mesmo objecto.
Quando duas figuras geométricas, um quadrado e um rectângulo, parecem idênticas, A viu um quadrado - percepção -
e B viu um rectângulo.
Esta é a natureza subjectiva dos sentidos: pode ser uma fonte de nuances e de diversidade ou a origem de complicações, mal entendidos e problemas.
É assim também a nossa natureza.
As jovens de hoje e também as mulheres com 30 a 35 anos não sonham sequer o que era ser mulher durante o regime de Salazar, até meados com anos 60, quando começou a haver uma abertura na recém criada classe média.O regime, com o prestimoso apoio da Igreja Católica conseguiu fazer o controlo social do comportamento afectivo de mulheres e homens, sendo certo que o alvo principal era a mulher supostamente pecaminosa e ser inferior, que devia ser submetida a rigorosa vigilância mesmo dentro da sua casa.
Segue uma lista de «pérolas» acerca do comportamento que qualquer mulher deveria ter: a domesticação dos afectos e a submissão ao homem.
Para o com+portamento do homem, «chefe de famíla» e macho, o livro "Cartilha de Marialva", de José Cardoso Pires, continua a ser o manual de referência.
Esta «doutrina» derivada do slogan "Deus, Pátria e Família" foi interiorizada pela consciência colectiva dos portugueses, as excepções estavam em reduzidas elites, e foi muito eficaz.
As suas principais vítimas, aos milheres, foram principalmente as mulheres, mas também traumatizou muitos homens. Pela parte que me toca, sofri na pele duas vezes, a domesticação social dos afectos. Era uma ditadura como nos regimes ditos socialistas.
MASSACRE NOS ANOS 50 E 60
Anna Maria Ribeiro
* Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas. (Jornal das Moças, 1957)
* Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e
provas de afeto. (Revista Claudia, 1962)
* A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora
de casa. (Jornal das Moças, 1945)
* A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas. Nada de incomodá-lo com
serviços domésticos. (Jornal das Moças, 1959)
* A esposa deve vestir-se depois de casada com a mesma elegância de solteira, pois é
preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso mantê-la bem presa.
(Jornal das Moças, 1955)
* Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no tapete.
Tenha cinzeiros espalhados por toda casa. (Jornal das Moças, 1957)
* A mulher deve estar ciente que dificilmente um homem pode perdoar uma mulher
por não ter resistido às experiências prenupciais, mostrando que não era perfeita e
única, exatamente como ele a idealizara. (Revista Cláudia, 1962)
* Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade
ele não irá gostar de ver que ela cedeu. (Revista Querida, 1954)
* O noivado longo é um perigo (Revista Querida, 1953)
* É fundamental manter sempre a aparência impecável diante do marido. (Jornal das
Moças, 1957)
* O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza. (Revista Querida,
1955)
P.S.
A memória agradável que tenho do meu tempo refere-se aos amigos, amigas e amores (poucos) que tive e vivi: os anos da minha vida passada, não à sociedade estagnada e conservadora em que tive de viver e contra a qual de rebelei, como tantos outros.
Porque recordo isso agora? Porque espero que esses tempos não regressem mais.
http://nyontime.blogspot.pt/2006/03/o-massacre-nos-anos-50-e-60-anna-maria.html
Um dia jurei, a mim mesmo, com sinceridade e mágoa, nunca mais escrever cartas de amor. As juras deveriam ter prazo certo: dez anos, um ano, um mês ou uma hora.
Qualquer jura solene é trocada por um breve encontro e quem manda nos encontros da vida é o omnipresente acaso.
Como pode uma carta de amor substituir a relação entre as pessoas que se amam ? Longe da vista, longe do coração, foi mil vezes comprovado, mas também aconteceu o amor percorrer o tempo em subterrâneos ignorados.
Para o nosso mal - ou o nosso bem - a sabedoria da vida, a sageza dos anos nada ensina nesta matéria, fluída e caprichosa.
Existe uma geração de historiadores, pós Mattoso, alguns são ou foram seus alunos, que fazem uma nova abordagem da história nacional: melhor ou não a seu tempo se saberá.
Isabel Freire acaba de publicar “Amor e sexo no tempo de Salazar”, um tema que parece menor mas não é: trata da frustração e do sofrimento de milhares de mulheres e de homens também.
Entre as fontes de consulta, Isabel Freire entrevistou um grupo de homens e mulheres a partir dos 70 anos de idade. Avós e bisavós.
A autora do livro não me conhece de lado nenhum e não me entrevistou. Pessoalmente, tenho pena porque foi vítima, por duas vezes da moral e dos bons costumes do Estado Novo, de Salazar e Cerejeira.
No ano de 1.955, em meado da «década dourada» dos anos 50, completei 20 anos, mas era apenas um adolescente crescido: ingénuo, talvez imaturo e idealista (vicio transmitido por leituras de poesia), a minha autoconsciência teve um processo de formação tardio e acidentado.
O regime salazarista, por baixo sofria alguns revezes – agitação social que a sangria da emigração não conseguia estancar – e nos anos de 1.955 e 1.956 reforçou os poderes arbitrários da PIDE, mas no plano ideológico, quer a máquina de propaganda, quer as instituições de controlo social – particularmente da mulher – estavam todas montadas (Mocidade Portuguesa, Mocidade Portuguesa Feminina, revistas especialmente dirigidas à jovem e à mulher) Secretariado Nacional da Informação, etc. e, claro a acção da Igreja Católica e do baixo clero.
Os valores conservadores da Igreja tinham como alvo principal controlar as famílias e domesticar as mulheres, “ o dogma da
autoridade masculina e da submissão feminina, o dogma virilidade dos homens e da castidade das mulheres, o dogma da interdição do corpo e do pecado sexual, o dogma do casamento sacramental e o dogma da maternidade redentora, marcaram e ferros António e muitos outros homens e mulheres da sua geração”, livro acima citado.
O regime salazarista possuía duas máquinas de repressão; a PIDE para os opositores políticos as suas instituições aliadas à Igreja para o controlo social e a repressão sexual. A mulher e o seu corpo interdito eram o alvo principal, o sexo extra matrimonial era pecado e a mulher a potencial pecadora.
Eu não percebia nada deste subtil mundo de interditos e pecados e de muitas outras coisas. A minha iniciação sexual (com colegas de trabalho) foi feita nas casa de prostituição, não sabia o que era o amor (Fernanda podia ter-me ensinado a linguagem dos afectos e do amor), e conhecia mal, muito mal o mundo feminino, que era rigorosamente vigiados pelos controladores da moral e dos bons costumes e se encontravam interiorizados na consciência colectiva.
Nos dourados anos 50 do regime salazarista eu era um ignorante e simultaneamente uma vítima – apenas mais uma – da ideologia do Estado Novo.
Por duas vezes fui reprimido pelos bons costumes e das duas (Fernanda e Julieta) ficaram-me marcas profundas.
Da minha geração milhares de mulheres e de homens foram frustrados sexualmente – coisa que parece impossível nos dias de hoje – e ainda hoje sentem as marcas das suas frustrações.
Vou terminar, por hoje, para que esta memória não pareça (não parece?) uma manifestação saudosista.
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